terça-feira, 7 de junho de 2011

Entre assuntos ‘distraíveis’ e a busca pelo amor recíproco infeliz


As pessoas costumam me dizer que eu possuo o dom de distrair meus próprios assuntos, de perder o foco e desviar a conversa para lugares que nem eu conseguiria explicar. Da mesma forma que minhas palavras são marcadas pela fuga da objetividade eu tenho, em algum lugar da minha memória, uma caixinha que guarda o assunto inicial para que ele não seja completamente perdido e possa ser retomado em algum momento da conversa. Retomar um assunto distraído costuma surpreender mais as pessoas do que o fato de distrair-se dele. Foco, Tici, foco. Ontem assisti Romance, um filme nacional de 2008 que conta com basicamente um elenco de monstros e um dos meus diretores preferidos, Guel Arraes. Após ver o filme, deitei na minha cama para dormir e comecei a enumerar em rascunho no celular assuntos distintos que não poderiam ser distraídos se eu fosse escrever sobre o filme. Aqui estou eu, tentando ser coerente com tanto a dizer.

Começo então pela paixão por filmes nacionais. Chega a ser ridículo o sorrisinho bobo que eu fico na boca quando vejo algo como Romance na minha tela, ou seja, serei suspeita até a última linha desse texto.

Quando eu era criança a reclamação habitual era o som do cinema nacional e, há pouco, ouvi uma amiga falar que hoje as pessoas reclamam dos roteiros, das histórias contadas. Então eu provoco quem quiser discutir comigo a encontrar uma história mais bem contada, encaixada e boa de ver que Romance. O filme mostra o quanto todos nós buscamos o amor, mas não aquele amor de final feliz, mas àquele construído pelos obstáculos, que dói e que não tem possibilidade de acontecer: o amor correspondido infeliz.

A partir do clássico que gerou todos os grandes romances da literatura -entre eles a possibilidade de ter sido a inspiração para Romeu e Julieta- Wagner Moura e Letícia Sabatella protagonizam a reconstrução de Tristão e Isolda sobre o palco para a história se tornar real fora dele. Construído com diálogos bem arquitetados que brincam com o texto rebuscado de peças teatrais em meio à história de amor do casal, Romance relembra em nós aquilo que quem um dia se apaixonou sabe: O quanto o amor é brega.

E ninguém esperava essa consideração, eu sei.

Na verdade o que eu ia escrever é o quanto o amor é finito, mas o descrito acima não deixa de ser verdade. Em Apenas O Fim, filme de Matheus Souza, o personagem Tom, de Gregório Duvivier diz uma frase que eu adoro quando sua namorada reclama que ‘falar de amor é tão clichê’. Ele responde: “Eu acho que falar que falar de amor é clichê é que é clichê.” A pergunta é, existe assunto tão batido quanto amor? E existe alguém, algum dia na vida, que não pense nele? É retórica. O interessante de Romance é a forma com que o filme declama e projeta a ideia de que só o amor impossível é amor, que nós amamos não o amor, mas a paixão e a instabilidade constante dela. Afinal, histórias de amor com final feliz só começaram a ser escritas a partir do século XII e até hoje nada é tão romântico e trágico quanto Romeu e Julieta. E, no fim, “todo amor é verdade e representação ao mesmo tempo”.

O diretor e um dos escritores do longa, Guel Arraes, de O Auto da Compadecida e Lisbela e o Prisioneiro, não me decepcionou novamente e vem fazendo no Brasil o que muita gente só enxerga em filmes internacionais, criando uma identidade. Seus filmes tem o seu DNA, é visível. Além de adorar o Marco Nanini, o que não é difícil, ele busca em suas produções assinar diálogos inteligentes, dinâmicos e montar cenários tipicamente brasileiros. Encenando a tríplice Cinema X Teatro X Televisão, ele consegue, em Romance, intercalar provocações e verdades quanto ao meio e, quando tudo parece que vai ficar só no eixo Rio-São Paulo ele nos leva ao Nordeste para as filmagens do Tristão e Isolda brasileiro, em que os trovadores e senhores feudais se tornam os músicos de cordel e coronéis e Tristão deve ser interpretado por um verdadeiro nordestino.

Vale lembrar que eu sempre fico encantada com os elencos de filmes nacionais que, se duvidar, muita gente nem sabe que estão na prateleira da locadora da rua de casa. Quando Hollywood resolveu refilmar 11 Homens e Um Segredo o burburinho foi geral porque era a produção com o maior número de estrelas da atualidade. Aqui, no Brasil, toda produção tem o peso artístico de, pelo menos, meia dúzia de monstros da atuação e nem por isso as pessoas fazem questão de ir ao cinema ou alugar o filme. Ter Wagner Moura, Letícia Sabatella, Andréa Beltrão, José Wilker e Marco Nanini projetados na mesma tela é algo que todo mundo, um dia, deveria poder ver. É Tony Ramos e Gloria Pires sendo muito maiores e menos creditados que um Sr. e Sra. Smith. É o que a gente tem de melhor se reunindo em uma coisa só e sempre é algo muito bom. O Brasil não é mestre das tecnologias de cinema, das produções que custam a arrecadação pública de uma cidade ou dos grandes números de bilheteria, mas filmes como os de Guel me fazem ter cada vez mais certeza de que uma coisa que fazemos e fazemos bem é contar uma boa história, ou protagonizar um bom Romance.

Minha enumeração não adiantou muito, os assuntos continuam se/me distraindo. Bom, paciência, um dia eu ainda chego lá.

Bom dia para quem é de bom dia e eu desejo a todos um final infeliz. Afinal, “os amores desgraçados costumam render belas histórias”.

Um comentário:

Marianna D'Amore disse...

gosto de tudo e mais um pouco desse filme ...
simples, nem tão bom assim, mas, no final muito bom e ponto final !

;)