quinta-feira, 14 de abril de 2011

Rio – O brasileiro para não brasileiros

Quando assisti ao primeiro A Era do Gelo saí do cinema com um sorriso de orelha a orelha e na boca aquele gosto de “quero mais”. A trilogia amadureceu, ganhou o mundo e um brasileiro entrou nessa onda se tornando uma espécie de orgulho da nação por conseguir atravessar a linha imaginária que impede a maioria dos nossos grandes de chegarem aonde ele chegou, Hollywood. Carlos Saldanha virou uma figurinha repetidamente acompanhada de perto por mim, não por fazer um bom trabalho (o que, é óbvio, o faz), mas por ter não só um pezinho no samba, mas também o coração.

Como qualquer bom brasileiro fui ao cinema ver Rio praticamente regada a preconceito, esperando uma história mal contada, um retrato pornochanchado e um samba americanizado de uma nota só. Até concordo com todas as críticas que li em que afirmavam que o filme era exatamente isso, mas mesmo assim fiquei um tanto quanto irritada pelas acusações e, por final, pensei: “Brasileiro não desiste nunca mesmo, nem de ser insuportavelmente chato.”

Pra quem não conhece a história ela é bem brasileiramente clichê. Blu, a última arara azul macho da sua espécie é extraviado em meio a um contrabando de animais silvestres e acaba se tornando animal de estimação de Linda, uma tímida nerd, bem nerd, de Minnesota. Ela conhece Tulio (que vale ressaltar que é dublado por Rodrigo Santoro em inglês, certo? Na verdade, na versão original e na em português) que a convence a levar seu bichinho ao Brasil para acasalar com a última fêmea da espécie e perpetuá-la. Durante a tentativa de apresentação das aves elas são capturadas por contrabandistas e é aí que começa a sequência de fugas pelo Rio de Janeiro para que Blu reencontre a sua dona.

Seguindo os clichês, tudo acontece durante a semana de carnaval e a sensação que o filme passa é que o país vive para a “maior festa do mundo” (o que não é bem uma mentira em se tratando de Brasil). Como não poderia faltar também, nosso segundo ícone, temos uma cena de perseguição em paralelo a uma partida de futebol entre Brasil e Argentina e somos repetidamente obrigados a ver um Merchant espetacular dos pontos turísticos do Rio de Janeiro. Clichê, pastiche, pastelão. E daí?

Há um tempo li uma crítica do Ruy Castro sobre musicais e ele comentava que o cara vai, vê um musical e sai do cinema reclamando que é ruim porque ninguém sairia cantando profissionalmente no meio da avenida Paulista sendo acompanhado por outros cantores que, por acaso, estavam passando por lá e se contagiaram, por passarinhos que assoviam no ritmo da melodia e mendigos que, no fundo, saíram da academia Bolshoi. Quanto a isso o escritor dá uma patada simples, mas certeira perguntando ironicamente a ele mesmo: “Por que tem que ser assim se na vida não o é? Porque é um musical, idiota.” Claro, não necessariamente nesses termos.

Acho que Rio está para os brasileiros como quem não gosta de musicais está para eles, é puro preconceito. Na verdade depois de ler as críticas à animação eu cheguei a conclusão de que não há preconceito tão grande com o Brasil como o do próprio brasileiro. É obvio que o filme ia explorar os pontos turísticos do país, é óbvio que ia abusar do samba, é óbvio que iria abraçar os clichês. Primeiro porque o nome do filme é Rio e não, sei lá, “Fuga das Araras”, o foco não é a história, é a cidade. E mesmo assim o resultado ficou gostoso de ver. Eu não sei se alguém esperava ver um Tropa de Elite animado, mas fora do país o sistema cinematográfico é diferente e, por mais que tenha sido dirigido por um brasileiro, Rio não é uma animação exclusiva para quem nasceu aqui e, portanto, precisa ser, além de retratista e bonitinho, comercial. Cá pra nós, Tropa de Elite é nosso, é fantástico, é um dos meus Top 10, mas algumas cenas podem ser encaixadas em diversas histórias de diversos países pelo mundo. Tente encaixar Rio, as cores, a trilha que foi de Samba ao Funk singrando até pela Bossa Nova, o Cristo, o Pão de Açucar a qualquer outra história e não vai dar pé. É uma animação de cá para estrangeiros, não o contrário. É turística. E devíamos ficar muito felizes por ninguém ter sido seqüestrado no morro ou termos sido refletidos nas curvas de uma mulata sambando nua. Nós só fomos animados. E de forma caricata, como toda animação deve ser.

Quem for ao cinema ver Rio sugiro que vá sem preconceitos e com um olhar externo, vá como foi ver Madagascar, por exemplo, viajando para onde você não conhece. Aliás, usei o exemplo do longa para abrir uma ressalva de que os macacos ladrões de Rio lembram exageradamente os pingüins da franquia da Dream Works, isso foi bem chato.

Rio é uma animação que vale a pena assistir porque é simplesmente fantástica e gostosa de ver e porque não é nacional e não é estrangeira, é um ponto de equilíbrio que nós também devíamos começar a ter.