sábado, 20 de novembro de 2010

Harry Potter e a geração que não gostava de ler


Há dez anos foi lançado no Brasil um livro que muitos não gostam, muitos criticam, alguns não entendem e uma legião aclama. Há dez anos eu tinha 13 de idade e, na época, já era uma leitora assídua de boas histórias. Mas eu não era o senso comum, talvez nem a exceção, não sei me classificar. Hoje, para descrever meus pensamentos voltarei aos 13 anos do meu irmão gêmeo, só assim posso falar (sem querer generalizar) de uma geração inteira. Enquanto eu cresci em meio a gibis da Turma da Mônica e histórias fantasiosas ele gostava mesmo era de destruir coisas. Na verdade, desmontar e remontar para conhecer, mas lembro que ele nunca conseguia remontar e os eletrodomésticos, carrinhos de controle e bugigangas eletrônicas se tornavam algo muito parecido com lixo. Era lindo, mas devastador. Lembro de um dia em que minha mãe quase teve um ataque quando o encontrou no chão da cozinha, desmontando um ventilador. Normal? Claro, se não estivesse ligado na tomada enquanto o fazia.

Meu irmão é um exemplo perfeito de como eu classificaria a Geração Y, a dele, consequentemente a minha. Ligado no 220 e com todas as 'conecções' existentes em modo online, eu tenho a impressão que o cérebro dele raciocina tão rápido que o corpo não acompanha. Vai atrás do que quer e consegue. É criativo, é inovador. Ainda guarda aquela facilidade de trabalhar em equipe que vem de outras gerações e se perde nesses tempos, mas se vira maravilhosamente bem sozinho. Cresceu jogando bola, vendo o VHS passar para o DVD e a fita para o CD. Brincando na rua, construindo cabanas, subindo em árvores. Vídeo game? Teve. Um Super Nintendo de soprar cartuchos que até hoje tem uns joguinhos que eu adoro.

Meu irmão cresceu em uma geração que não via muita graça na literatura que a escola mandava ler e que quando questionado dizia: “Não, eu não gosto de ler”. E lá estava ele de volta as árvores e eletrodomésticos ligados nas tomadas.

Foi com 15 anos que me apresentaram a história do bruxo londrino da autora inglesa J. K. Rowling e quando eu passei o livro para frente, para o meu irmão, uma coisa que eu nunca tinha visto aconteceu e foi devastador tanto quanto com os eletroeletrônicos. As 264 páginas foram devoradas em menos de dois dias.

Parecia ser um acontecimento único e que tinha parado por ali, mas o que havia naquelas páginas de Harry Potter e a Pedra Filosofal criou nele um hábito, e o meu irmão que nunca ligou muito para a palavra escrita sem figuras adquiriu o gosto pela leitura. “Mas é só ficção”, alguns diriam. Eu prefiro chamar apenas de literatura, que ensina a escrever assim como fazem os grandes clássicos que ele não queria ler na escola.

Na semana passada estreou mundialmente nas telonas a primeira parte do fim do que despertou o gosto de ler em uma geração. Harry Potter e as Relíquias da Morte parte I arrecadou mais de $100 milhões em apenas dois dias de exibição nos Estados Unidos e, mesmo ainda não tendo muitos números divulgados, no Brasil eu sei que não será diferente. Mas eu não vim falar sobre o filme, o Google está aí para isso. Eu resolvi escrever hoje para levar ao conhecimento de algumas pessoas -que não enxergam- a importância desse romance para mim, para o meu irmão e para a geração Y.

Harry Potter é muito mais do que uma história fantasiosa de magia, vassouras que voam, elfos domésticos e bem contra o mal. Ele, o livro, é um marco da descoberta pessoal de diversas crianças/adolescentes (muitos hoje já adultos) desse gosto pela leitura, pelo ritual de ler, de sentar em um sofá ou deitar de bruços em uma cama confortável com a luminária acesa, abrir um livro e deixar que a imaginação recrie o que nele vem em forma de palavras. E acreditem, o ritual não é enjoativo. A posição cansa, precisa de alteração constante, mas a leitura segue horas a fio, madrugadas a fio até os dias de hoje.

Nesse novo filme, o penúltimo, baseado na primeira parte do sétimo e último livro da série, não é mais a história que prende minha atenção como mágica, como quando eu vi o primeiro filme em 2001. É algo que, visto daqui para frente, alugando ou comprando todos os filmes de uma vez, será perdido. É o tempo. Como se tudo ‘magicamente’ tivesse crescido. A geração que aprendeu a gostar de ler com Harry Potter acompanhou arduamente ano por ano o lançamento de cada livro, de cada filme e, assim como os personagens neles registrados também cresceu e cresceu com fome de leitura.

Pensando nisso perguntei para a minha mãe sobre a geração dela, a “X”, que acompanhou os festivais de MPB e é conhecida por trabalhar muito, pela racionalidade, por agir em equipe e pensar em família. Sem querer generalizar ela pensou, pensou, e me disse: “Acho que a maioria da minha geração não gosta de ler”.

Agora já se fala de uma nova era, a do Mc Donnald, do Wii, do Playstation, da TV interativa, da internet móvel. Meus pais cresceram lendo a ficção nos gibis, que meu irmão e eu pudemos acompanhar adaptadas para os cinemas enquanto líamos as histórias de bruxos cheios de princípios. .A nova geração, que brinco ser a geração do instante, já vai pegar tudo mastigado, desde as grandes informações mundiais até o velho Harry Potter crescido e comprimido em algumas horas em sua televisão que nem é mais LCD. Eu, na verdade, tenho o maior orgulho de fazer parte da geração que acompanhou tudo isso, que aprendeu a gostar de ler e que –acredito que não seja coincidência– é conhecida por sua criatividade. Eu só espero, sinceramente, que surjam novos Harry Potters, que possam aguçar a vontade de abrir um livro e deixar passar o tempo que hoje não se tem mais.