segunda-feira, 21 de março de 2011

Cinema com gosto de chocolate meio amargo


Observe um relógio em contagem regressiva. Sinta a impotência de ver o tempo se extinguir e deixe a delicada e cruel hora que não se estica, que não se retarda te fazer perder o fôlego lentamente, como um minuto que demora a passar, mas que nunca se estende mais do que o seu tempo. Assista em câmera lenta os segundos que precedem a bomba que explode e abrace o desespero de só poder ver esse tempo passar. No final o que resta a cada um é o destino de uma só sentença que não pode ser questionada, a morte.

Pois o dead line da vida é o assunto lento e angustiante de Não Me Abandone Jamais, filme do diretor Mark Romanek, baseado no romance homônimo de Kazuo Ishiguro, que tem Keira Knightley, Carey Mulligan e Andrew Garfield no elenco. O filme foi apresentado na Mostra Internacional de Cinema de Londres no ano passado e despertou amores e frustrações na platéia. Pudera. Não que eu seja fã de coisas estranhas, mas, no meu caso –mesmo que ele te faça encarar sorrindo a possibilidade de suicídio- despertou a primeira opção.

A trama gira em torno da história de vida, ou da meia-vida dos três protagonistas. Educados em um colégio interno rigoroso com o bem estar e a saúde de seus estudantes os três aceitam, sem alarde nenhum, o seu destino: nasceram para ser doadores de órgãos. Filme futurista, certo? Não. Na verdade eles serem apenas defuntos com órgãos utilizáveis é o de menos. Incomoda, mas o buraco é ainda mais embaixo, é social.

O triângulo amoroso dos personagens traz à tona o egoísmo do ser humano e, para reforçar o conceito, Kathy (Carey Mulligan) fecha o filme com a frase: “O que não sei ao certo é se nossas vidas foram tão diferentes das vidas das pessoas que salvamos”. Não Me Abandone Jamais, para mim, não é um drama que mistura romance e clonagem, ele tem algo mais. Faz a gente pensar no quanto cada um de nós é capaz de fazer ao outro para ser melhor, para parecer melhor ou apenas para sentir isso. Pode parecer piegas, mas a construção de cada diálogo e a lentidão entre uma fala e outra é como um tempo dado a nós para pensarmos na brutalidade, mesmo que sutil, da realidade de um povo que constrói novas tecnologias e busca respostas não pelo bem de todos, mas de si. Um por si e todos por um, não é esse o lema?

O filme faz refletir ainda sobre o quanto somos ligados a alguém, a alguma coisa e até ao que tentamos ser. Talvez seríamos pessoas melhores se, como no longa, aceitássemos que somos apenas humanos e que fazemos parte de um ciclo. Possivelmente não sofreríamos tanto com nossas perdas. Claro, é utopia hipócrita da minha parte, logo eu, que não me desfaço nem de cartinhas de colegial.

Fora o sentimento, o filme me remeteu a vários sucessos do gênero como A Ilha, Gattaca, Equilibrium e até A Fortaleza, sabe? Aquele clááássico ótimo em que o Christopher Lambert é enviado a uma prisão de segurança máxima. A idéia de ter a vida controlada por outras pessoas já foi muito abordada na Sétima Arte, mas o que há em comum em todos esses filmes é que os personagens lutam para ter o controle de suas vidas de volta, o que não acontece em Não me Abandone Jamais. Eles aceitam o destino de morrer para salvar um zé-alguém, mesmo que você, espectador, deseje uma reviravolta até os últimos minutos.

De qualquer forma, é impossível assistir a Não Me Abandone Jamais e, ao fim da projeção, não ter aquela sensação de “cadê meu chão?”. É como sentir vontade de comer chocolate e só ter uma barra de meio amargo. É doce e é o contrário. O filme não é fácil de digerir. Então sugiro que seja visto em um dia comum, sem grandes acontecimentos bons ou ruins e sem uma janela do 25º andar por perto (Vai que dá vontade!). E recomendo o longa porque é sutil, doce e mostra que algo pode valer a pena na sua vida só pelo simples fato de ter acontecido com você. Mais ou menos aquela coisinha clichê que diz que o tempo que as coisas duram não é importante e sim a intensidade. Ou bagunçando poetas eu diria “que seja eterno enquanto dure”, “posto que é chama”. Assim como a própria vida.

Não Me Abandone Jamais foi o vencedor do prêmio de Melhor Atriz (Mullingan) e indicado a Filme, Diretor, Roteiro, Ator Coadjuvante e Atriz Coadjuvante do British Independent Film Awards.

segunda-feira, 14 de março de 2011

A representação do belo pelo feio na ponta do gatilho


Semana passada fui ao cinema despreparada, sem ter lido uma linha a respeito do que ia ver ou escutado uma crítica completa. Ouvi, sim, alguma coisa, mas ecoou na minha cabeça só um nome que parecia estar sendo repetido incessantemente, como se o filme fosse uma biografia: Johnny Depp. Para entrar no clima prefiro escrever que fui ao cinema na estréia de Rango, na sexta-feira, sem nem saber que era a estréia, só por ir, por um convite de última hora, e cometi um erro esquecendo de carregar comigo um acessório imprescindível para um bom faroeste, ou até obrigatório. Digamos que fui ver Rango infinitamente desarmada.

Para quem gosta de cinema ver um filme sem nem saber a trama é quase sinônimo de teoria do caos. Você sente como se estivesse caminhando no escuro, fica hiperativo, agoniado, roendo as unhas, fulo da vida e querendo que aquele sofrimento acabe logo para poder, no todo, entender as partes. E obviamente ler o cast. De qualquer forma, durante o longa eu só conseguia lembrar de uma ligação daquilo com a minha vida: as aulas de História da Arte que tive no primeiro ano de faculdade.

Nem bem na arte, mas na filosofia, Sócrates grifou em algum de seus escritos que “toda a beleza é difícil”. Seguindo nesse pensamento Platão afirmou que a beleza é determinada pela experiência de prazer suscitada pelas coisas belas. Lembro das aulas então, quando o professor escreveu no quadro a pergunta: “O que é belo?”. Bom, em meio a discussões que envolviam Gisele Bündchen e Michelangelo o ponto ao qual chegamos era exatamente acreditar que nem tudo que classificamos como bonito pode ser considerado belo e que o feio é tão idealizado quando o seu antônimo. Para finalizar as citações e retomar o Rango perdido, Giulio Carlo Argan, historiador e teórico da arte, escreveu que o feio é o belo decaído e degradado, mas isso não quer dizer, necessariamente, que tenha deixado de ser belo, acredito.

Do início ao fim de Rango eu me impressionei com o quanto eu achei tudo tão belo e mais feio ainda. A animação é simplesmente a melhor que eu já vi e deixo a dica para que as pessoas esperem sair do cinema e aluguem o blu-ray. Deve ser uma experiência única.

Os personagens são detalhadamente perfeitos em toda a sua construção e cheguei a me perguntar se os poucos humanos que aparecem não poderiam ser criados em live action. É humanamente impressionante. Depois de assistir, claro, fui me informar e achei interessante a idéia de que os dubladores fizeram as cenas caracterizados como personagens e em cenários montados, interpretando mesmo. Aí, enquanto Depp cedia sua voz inconfundível para o camaleão sem identidade os animadores assistiam essas gravações e reconstruíam as expressões dos donos das vozes nos personagens. O resultado é belo, é belo, é belíssimo! O camaleão é algo muito parecido com um Jack Sparrow verde.

Fora a beleza o filme é bem estranho.

A trama é simples e, na minha opinião, se fosse feita como um longa-metragem normal, diga-se com gente e não animado, teria o mesmo impacto. FORA A BELEZA. Nós estamos tão acostumados com animações bonitinhas repletas de personagens caricatos com olhos enormes naquele estilo japonês digno do carisma mundial que quando vemos algo diferente a expressão é de “ahn?”. O filme é feio, sabe? Feio mesmo. Os bichos são feios, as cores são feias, é tudo meio assustador. Mas o feio vai além. Depois de assistir Rango a gente sente falta da ausência de memória da Dory, das trapalhadas do panda Poh, da tagarelice do Burro e do Buzz em versão mexicana. Os personagens de Rango são tão perfeitos 'animadamente falando', tão bem feitos, que falta algo não só no camaleão, mas em todos eles que os deixa ainda mais feios historicamente, falta personalidade. Falta profundidade, ou aquilo que diferencia um de outro. A própria chamada de um dos cartazes do filme diz “Porque se disfarçar se você pode se destacar?” e quando pensamos em um camaleão é instantâneo imaginar algo como o pequeno Pascal de Enrolados se camuflando em tudo. Em Rango, o fato de ele ser um camaleão não o diferencia de uma iguana. Aliás, de um lagarto qualquer. Além disso, os personagens de faroeste são, por si só, tão caricatos que, na animação, todos eles acabaram por ter características iguais e como diz a moral de Os Incríveis: “quando todo mundo for super, ninguém vai ser.”

De qualquer forma Rango não é, nem de longe, um filme para crianças. A não ser que você esteja com uma vontade louca de acordar de madrugada com seu filho ao pé da cama dizendo que teve um pesadelo com uma cobra usando chapéu de cowboy. Mesmo as ligações que a animação faz com grandes filmes de faroeste e até com Indiana Jones podem não ser percebidas nem por adultos. Ou seja, é demais para gente grande e é pouco para gente pequena. Ganha pela trilha sonora do fantástico Hans Zimmer que fecha a parceria tripla pós-Piratas do Caribe com o diretor Gore Verbinski e seu pupilo ícone Jack Sparrow, Johnny Depp.

Por fim, Rango acaba por ser a arma de uma bala só que atira sem alvo, que perde o rumo do conteúdo. Mas é belo, belo, belíssimo.