quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Pela não banalização da pipoca


A cada dia que passa acredito mais que vivo na época errada. Julgo assim por conhecer músicas boas e não rotuladas pela jovialidade, pelos livros eternizados pela graça da leitura manual (‘longe de mim’ ler um livro virtual, que não vira a página e não precisa de marcador, sabe?). Julgo pelo cinema, e sim, principalmente pelo cinema.
Assisti ao A Múmia estreando nas telonas, -a regravação de 1999 com o Brendan Fraser, não o original de 1932 com o Karloff- e me senti em um café Neo Rococó. O cinema havia sido reaberto depois de mais de 20 anos, cheirava a mofo e a carpete empoeirado. Tinha uma catraca na entrada que lembrava as existentes nos ônibus circulares, ela só virava se o ingresso fosse colocado. As poltronas tinham um encosto de madeira escura e encurvada e as almofadas em couro vermelho/vinho combinavam com as cortinas de entrada. A tela estava entre as cinco maiores do país e era possível acomodar mais de 700 cinéfilos, comedores de pipoca e casais (lembrando que, quando o local foi construído não existia essa barbárie de levantar braços de poltrona). Havia apenas essa sala de cinema na cidade, o que fazia de uma estréia o motivo para filas iniciadas dias antes.
Não era o local mais confortável, na verdade não era nada confortável, mas foi desanimador para mim quando resolveram reformar, acabaram com o glamour, aderiram ao clichê. Lembro até hoje que as poltronas tremiam quando o Arnold Vosloo gritava ou quando a trilha sonora pesava aos ouvidos, devo até ter ficado algumas noites sem dormir na época.
Nada contra evoluir e modificar, mas sempre tive um pé no retrô, sempre torci para a não banalização do cinema tanto nas salas quanto nas produções. Imagine as primeiras apresentações cinematográficas e a idéia de ver uma imagem em movimento pela primeira vez. Pense no Grand Café, Paris, lotado de pessoas que esperavam assistir produções que durariam segundos, mas que bastavam para encantar.
Na comédia romântica O Amor Não Tira Férias o personagem Arthur Abbott (Eli Wallach) interpreta um roteirista que em um momento do filme comenta uma época em que estreavam uma produção por mês, hoje são nove por semana. O movimento é tão rápido que já vi filmes que estrearam e ‘desestrearam’ no mesmo dia. As pessoas não se importam em perder os primeiros cinco minutos de história para comprarem pipoca e nem percebem que para que aqueles cinco minutos sejam exibidos alguém perdeu noites pensando, criando e recriando. Porque os primeiros segundos são cruciais.
Há 40 anos a matinê de sábado era o programa do final de semana. Belchior cantou as coisas boas que trazia no peito enquanto pedia a sessão de cinema das cinco e sentia saudades da camisa suja de batom em 1977. Lisbella esperava o próximo capítulo de uma novela que se confundia com a sua vida e a de seu prisioneiro. O cinema era sujo de sonhos, de som, de vida.
Semana passada, quando fui ao cinema o local cheirava a fritura e um rapaz na poltrona da frente apoiava os pés em outro acento. Ninguém com uma lanterna veio reclamar, talvez porque uma pipoca animada dizia na tela que não era permitido por os pés nos bancos, fumar e blá blá blá. Não havia alguém com medo dos lanterninhas, aliás, que lanterninhas? Estão em extinção, acredito eu. A conversa incessante me fez pensar que algumas daquelas pessoas resolveram fazer aquele programa intitulado “Não tem nada para fazer? Vamos ao cinema.” E que outras estavam lá pelo simples fato das poltronas possuírem braços que levantam.
Talvez eu esteja realmente parada no tempo, dentro daquele cinema com almofadas de couro em poltronas de madeira que tremem no ritmo da sonoplastia. Aquele local que se torna, por si só, um personagem do filme. Ou talvez eu seja aquela pessoa chata que está fazendo “shiiiiu” numa sala moderna e sem lanterninhas, com pipocas animadas dizendo o que não fazer, burburinhos por todos os lados e pessoas assoviando quando a luz apaga. Talvez... Mas com todas as mudanças e modernidades ainda sou adepta a frase que diz “Cinema não é só pipoca”, ele, ainda hoje, tira de nós a tristeza da impossibilidade e nos dá a possibilidade de conhecer, de ver, de ser.

Ticiana Schvarcz

Múmia café com leite



Sabe quando dá aquela vontade de tomar um café passado na hora, daquelas que você chega a sentir o gosto forte na ponta da língua, que dá água na boca? Você pede, aguça o paladar pelo aroma esfumaçado e ao tomar o primeiro gole... Café aguado. Fraco. Descafeinado.

Pois é esse o gosto que dá na boca quando um cinéfilo assiste A Múmia III e começamos pelo simples fato de não haver múmia nenhuma. Temos apenas um imperador Jet Li amaldiçoado com todo o seu exército de olhos puxados. Aí vão me dizer: “Mas a tumba do imperador dragão e seus guerreiros Terracotta foram inspirados na tumba verídica do primeiro imperador da dinastia Qin. O mausoléu fica localizado em Xi'an, na China.” E onde está o Vosloo nisso? Que seja. Outra punhalada aos fãs de histórias egípcias foi a substituição da atriz Rachel Weisz que não aceitou o papel. Deixasse ela com os seus eruditos de Bembridge. Pelo menos não estragava a história. No entanto, temos um ponto positivo e relevante, não apareceu nenhum Escorpião Rei, deveras. Mas reinventaram o abominável homem das neves.

A questão é que assistir A Múmia - Tumba do Imperador Dragão me fez pensar sobre a verdadeira necessidade das continuações na sétima arte. No filme dos Simpsons, por exemplo, em uma entrevista o diretor David Silverman e o Meyer disseram, no auge da bilheteria, que só fariam um segundo filme se tivessem um bom roteiro, isso porque, para sair o primeiro foram 158 versões. Conseguiram uma admiradora.

Seguindo a linha de raciocínio dos desenhos, a própria Disney, a grande Disney, só criou uma boa seqüência quando fizeram um remake de O Rei leão I na versão dos personagens Timão e Pumba, o O Rei Leão III. A Dream Works tem projeto para repercutir até um sétimo Shrek, sendo que o terceiro tanto não criou expectativas quanto não as atingiu. Com exceção do gato-de-botas e seu olhar eternizado.

Vamos às sucessões então. O Poderoso Chefão? O primeiro ainda é o melhor. Missão Impossível? O primeiro. Jurassik Park? John Williams não criaria uma outra trilha magnífica como aquela. Meu Primeiro Amor? Existe um segundo primeiro amor? Vamos lá, Efeito Borboleta, Duro de matar, Matrix, Onze Homens e Um Segredo, todos cometeram o mesmo erro. O próprio O Cavaleiro das Trevas só é bom porque é o filme do Coringa, não do Batman. Existem também as produções que retomam o começo, Batman Begins, O Exorcista – O início, Hannibal – O início.

Não sou contra seqüências, mas sou avessa a remendos. Temos, na glamourosa história hollywoodiana, um leque de grande produções eqüilibrado a um de grandes fiascos. A trilogia Bourne é um exemplo da boa produção, assim como algumas boas películas específicas para fãs, como o Rocky Balboa, o Rambo IV, o último Indiana Jones, além dos roteiros que já são criados com essa finalidade, como os inspirados em livros e quadrinhos, que estão na moda. Mas um remendo ambicioso como A Múmia III é o cartão de entrada para a lista da volta dos que não deveriam ter vindo. Não me exorcizem, mas se é para fazer uma seqüência sem graça, que façam séries ao invés de longas sucessivos que custam 150 milhões de dólares. A Warner TV agradece.

Que a força esteja com vocês!

Ticiana Schvarcz

Contagem regressiva para daqui a 700 anos


Tudo começou em 1994 em um almoço informal pouco antes da estréia de Toy Story. Sentados a mesa estavam Andrew Stanton, Joe Ranft, John Lasseter e Pete Docter que discutiam a animação que revolucionou o mundo dos desenhos. Enquanto conversavam e comiam, os quatro fizeram um brainstorm em busca de idéias para novas criações.
Dessa lendária reunião surgiram nomes como Vida de Inseto, Monstros S.A. e o aclamado Procurando Nemo. Entre tantos grandes personagens com histórias emocionantes e efeitos especiais havia um que não passava de um nome, um nome sem passado ou futuro, o pequeno e solitário robô Wall-e.
Quase quatorze anos depois, a aproximadamente um ano atrás, foram eles, Woody e Buzz –Os históricos protagonistas de Toy Story– que apresentaram ao mundo a nova animação Disney/Pixar (que na minha opinião, foi a maior parceria já feita no país das maravilhas da animação) durante um evento esportivo Superbowl.
A partir dessa linha eu convido você -leitor apaixonado por animações- à apertar o cinto e aceitar uma carona comigo rumo ao ano de 2700. Pegue uma caneca de café bem quente passado na hora, faça uma pipoca de microondas (que é mais rápida) e embarque comigo na Axion –A nave que abriga os humanos longe da Terra– para ler uma prévia dessa aventura que está prestes a estrear nas telonas. Por favor, se quiserem entrar no clima ouçam “Aquarela do Brasil”. É ela que embala o primeiro trailer da animação.
Stanton precisava de uma idéia, de um robô que vivesse sozinho no planeta Terra e fosse apaixonado por seres humanos. Seus olhos foram inspirados em binóculos e, se olhar atentamente, terá referências do pequeno E.T. de Steven Spielberg. Peraí, recapitulando, sozinho no planeta? Sim, os seres humanos embarcaram na Axion porque a Terra estava tão cheia de substâncias tóxicas que seria impossível sobreviver aqui. Wall-e é o último dos robôs enviados ao planeta para limpá-lo e, 700 anos depois, só não virou sucata por trocar suas peças com as dos robôs que pararam de funcionar. Mas ele não está completamente sozinho, a pequena máquina tem como companheira uma baratinha simpática, sua melhor amiga.
Apaixonado pela cultura humana Wall-e é uma divertida criação que mistura objetos do nosso dia-a-dia com a falta de conhecimento do robozinho sonhador. Para variar, Stanton resolveu fugir do convencional e ousou! O diretor de Procurando Nemo cortou qualquer diálogo do início do filme. Parece chato? Até poderia ser se ele não tivesse deixado os efeitos sonoros a cargo de Bem Burtt, o mais conhecido designer de sons da indústria (que para quem não lembra criou as vozes dos andróides de Star Wars). A idéia inicial era de que Wall-e não falasse, como o robô R2D2 (do próprio Guerra nas Estrelas), mas o pequeno personagem balbucia algumas palavras.
Wall-e tem uma mensagem clara e simples com todo o floreio de uma história incrível e emocionante. Sintetizando o filme diria: "Não polua o planeta!" Claro que o enredo não gira apenas em torno de lixo e da solidão do robozinho, tem uma história de amor, aventura e uma quase inédita pitada de ação! O que já pôde ser visto, de leve, em Os Incríveis.
Uma novidade é que a animação será o primeiro longa da Pixar com Live-action (atores ou cenários reais), mas o diretor garantiu que é algo bem diferente do que apareceu em Happy Feet (tomara mesmo!). Ahhh, e como manda o figurino em todas as animações Disney/Pixar, Wall-e também conta com um curta-metragem introduzindo o filme. Encabeçado 'Presto', o curta mostra a história de um mágico e seu coelho mal-humorado.


Espero não pagar com a minha língua, mas já fiz várias apostas em Wall-e para a melhor animação da Pixar. Apostarei aqui também e pago um café se o filme não for realmente o melhor. Sem exageros, sem mais delongas, o longa tem todo o potencial para desbancar até o patamar de primeiro escalão de Procurando Nemo!


Wall-e estréia nessa sexta-feira (27 de junho) nas telonas do mundo todo, então aproveitem e corram para comprar seus ingressos antecipadamente. Já começou a contagem regressiva. Eu já reservei o meu.
"Será necessário o amor de um robô para que a Terra seja salva" Andrew Stanton
Ticiana Schvarcz



-publicado em 25 de junho de 2008 no www.ocafecultural.blogspot.com

"Me chamo Todd, Sweeney Todd."



Bom, inicio minha dedução dizendo que fui induzida pelo meu gosto pelos filmes bizarros do diretor Tim Burton e que não sosseguei enquanto não assisti Sweeney Todd. Deixo aqui minha crítica ao cinema de Taubaté por preferir passar “Juno” por mais de duas semanas e “10.000 a.c” por um mês enquanto era esperada uma estréia que nunca aconteceu. Minha curiosidade me fez optar por um café de má qualidade, ou pela pirataria -emprestada, confesso- sem o mínimo de glamour de uma grande tela de cinema e décor com metros a detalhar.
Vamos às lâminas de Johnny Depp. Tenho que concordar que depois de encontrarem 27 tonalidades de preto na obra do pintor holandês Frans Hals, o diretor Tim Burton não ficou muito atrás. Com cenários monocromáticos Sweeney Todd comprova que um cineasta representa através da luz e que a própria luz representa como ator dramático. Eu falei em drama? Pois procurem uma palavra ainda mais ‘dramática’ para resumir a história de Benjamin Barker, ou Todd, como quiser. Separado da mulher e filha sob falsa acusação, ele é enviado para a Austrália e retorna após 15 anos convencido a se vingar. Afinal, o que tem a perder alguém que acredita que perdeu tudo?
Achei a palavra ‘demoníaco’ meio forte para um título, mas depois de ver as cenas cruas de gargantas sendo cortadas ao léu, preferi não contrariar. Aliás, não gostava do Sasha Baron Cohen, ou talvez não gostasse do “Borat”, mas fiquei arrasada ao vê-lo morrer tão cedo. Se bem que todo mundo morre mesmo.
Certa vez li que já conceituaram cinema como algo situado entre a dança e o teatro (e há quem jure de pés juntos que isso é inconcebível). Burton, mesmo retirando a música "The Ballad of Sweeney Todd" do roteiro porque acreditou que o filme pareceria demais com uma peça teatral, para mim, dirigiu um grande espetáculo de palco. Ele sempre gostou de tramas fantásticos, mas essa história, sendo lenda ou não, já é fantástica por si só. O diretor ainda deu seu toque bizarro que lembrou um pouco “Edward Mãos de Tesoura”. Tão pouco teatral ou dramático quanto Woyzek, de George Buchner.
Em tema de música e voz o eqüilíbrio é perfeito, chega a tranqüilizar os ouvidos em meio a tantos cortes e sangue. O paralelismo entre as vozes dos personagens, a mistura de ritmos e Johnny Depp, que canta com a naturalidade de quem fala. Para quem não gosta de musicais a história fica ainda mais interessante porque, ao contrário de histórias glamourosas como “Grease”, “Chicago” e “Moulin Rouge”, em que as musicas criam um mundo alternativo ao das histórias, Sweeney Todd tem a melodia como um encaixe de cenas, é apenas um diálogo cantado.
Tim Burton se superou em Sweeney Todd: no cenário, no figurino, nas luzes, no exagero, no sórdido, no grotesco, no drama. E nem todas essas características são boas. Mas tem a cara de Burton harmonizando pela sexta vez com o ator Johnny Depp que, aliás, não deixa a desejar às suas fãs enlouquecidas. Outros dois ingredientes que ficaram bem juntos são Alan Rickman e Timothy Spall que participaram de filmes da série Harry Potter interpretando Professor Snape e Peter Pettegrew, respectivamente. Não posso deixar de falar da Helena Bonham Carter, a Belatrix do Harry Potter, que é esposa de Burton e que estava grávida durante as gravações. Merecia o Globo de Ouro do qual foi indicada, com gosto de café passado na hora.
Sobre o Sweeney Todd preciso ainda comentar o sangue... Rosa! Pronto, está comentado. E dizer que a produção dá um gosto bom na boca, que mereceu o Oscar de Melhor Direção de Arte e merecia o de Melhor Figurino. Se me perguntassem fotografia eu daria também. Acredito que o diretor tenha pecado em aproximar o climax do 'the end', nada acontece e, quando acontece, é um turbilhão de acontecimentos, todos de uma vez. Então deduzi, ao final do filme, que algo faltou, algo do Burton, que sempre falta no meio de tanto drama e desilusão. Faltou aquele chocolate com menta que vem junto com o café, sabe? Uma gota de final feliz.


"At last - my arm is complete again!" – Todd



Ticiana Schvarcz