domingo, 4 de janeiro de 2015

Um mito, um divisor de águas e o poder do boca a boca

2014 não foi um ano de muitas publicações... Tá, não foi ano de publicação nenhuma. Mas ainda assim alguns trabalhos foram desenvolvidos. Esse foi um texto que fiz por encomenda para a revista digital LIBRE!. Um pouco tarde, mas, para fãs de Tarantino, antes hoje do que nunca.
Eu tinha sete anos e pouco lembro sobre o que prende a atenção de uma criança com essa idade, mas posso garantir que uma estreia de cinema – a menos que fosse a de O Rei Leão (Disney, 1994) –não seria a opção mais tentadora. No entanto, eu me lembro de Pulp Fiction – Tempos de Violência.
Claro que hoje eu não poderia contar com clareza como foi que tudo aconteceu, mas é por isso que a criança de sete anos de 1994 encontra a mulher de 27 em 2014 para completar essas lacunas. Afinal, são vinte anos de um filme que não só mudou a história do cinema, como instituiu o mito Quentin Tarantino.
Pulp Fiction foi o segundo longa do diretor americano, que estreou nas telonas com Cães de Aluguel (1992). O primeiro filme já havia causado um reboliço em Hollywood e colocado o nome de Tarantino em evidência, mas as seis indicações ao Oscar (em que levou a estatueta de Melhor Roteiro Original) e a Palma de Ouro recebida em Cannes em 1994 o fizeram fincar a bandeira territorialista no letreiro de Hollywood e seu nome na calçada da fama.
Com Tempos de Violência Tarantino fez o que antes ninguém havia feito: estabeleceu o cinema independente no cartel cinematográfico. O longa custou $8 milhões para ser produzido e rendeu $200 milhões nas bilheterias mundiais. Foi um escândalo! E não é maneira de falar. A banalização da violência no filme virou assunto no mundo todo e o boca a boca foi o maior responsável por lotar as salas de exibição. Ainda hoje há quem não aceite o sangue derramado desordenadamente por Tarantino, que só perde o posto de diretor sanguinário para Martin Scorsese, que tem até uma cor própria, “o vermelho Scorsese”. Pulp Fiction teve até a repercussão comparada a outro clássico marcado pela violência: Laranja Mecânica (Stanley Kubrick, 1971), e os contextos e épocas eram bem diferentes.
Obviamente que com sete anos eu não era apta a ver o filme no cinema, mas lembro perfeitamente da silhueta de Uma Thurman e John Travolta dançando em uma chamada na TV aberta anos depois, quando o longa ia ser exibido. “O filme que chocou o mundo”, “o sucesso de bilheteria”, “o fenômeno mundial” eram as manchetes que incitavam as pessoas a assistir.
Eu não gostei do filme, sinceramente, no entanto nunca mais esqueci a cena da dança. Mas não virem a página! Eu tinha apenas oito, nove anos. É de se compreender que uma criança não se sinta afetada pela sedução tarantinesca a primeira vista. Ou a segunda. Ou até mesmo 20 anos depois. Sejamos claros, salvo os últimos grandes longas do diretor -Bastardos Inglórios (2009) e Django Livre (2012)-, que tiveram um roteiro um pouco mais linear, Tarantino não é lá um dos contadores de histórias mais fáceis de engolir. Tomando como princípio Pulp Fiction, eu sempre imaginei a tortura de quem teve que criar uma sinopse para o filme:
“Uma dupla de assassinos profissionais, que trabalha para um poderoso gângster, que se vê envolvido em uma situação constrangedora por perseguir um homem que lhe passou a perna, que tinha um relógio importante, que nada tem a ver com a esposa do gângster que é convidada para sair com um dos assassinos profissionais, mas não devia se envolver com drogas e tem um casal que apareceu na primeira cena e... Quem são eles mesmo?”
A chamada na TV deveria se resumir no máximo em “se metem em uma grande confusão!”, ainda que confusão explique melhor do que as linhas acima.
Portanto, é preciso paciência e bagagem cultural para assistir Tarantino, e eu não falo sobre seus diálogos de dez minutos ininterruptos sobre hambúrgueres em Pulp Fiction, falo sobre a falta de linearidade e a profundidade dos seus roteiros malucos que começam sem pé nem cabeça e terminam prendendo escandalosamente a nossa atenção.
Tempos de Violência é uma aula de cinema que vai além do Mise-en-scène. As referências à outros filmes e personalidades que fizeram parte da história da Sétima Arte e de outras artes são incontáveis: Marilyn Monroe, Elvis Presley, Martin & Lewis, Amos and Andy, Mamie Van Doren todos eles em apenas em uma cena. Até Ringo Starr, ainda que alguns o considerem o Beatles menos importante, teve seu nome lembrado.
Quentin Tarantino é um apaixonado pelo cinema, o dos outros e o dele. É possível cruzar takes de Pulp Fiction com Kill Bill (2003, 2004), Cães de Aluguel, A prova de Morte (2007), Jackie Brown (1997) e provavelmente com todos os outros filmes do diretor. No fundo, ele gosta de criar próprias referências mais do que se referir a outros.
E é por isso que não se assiste a filmes de Tarantino, você estuda-os. Porque para gostar de um longa desses requer-se um conhecimento prévio de outros tantos filmes que, sem essa bagagem, provavelmente o roteiro que começa sem pé nem cabeça iria terminar perdendo o resto do corpo e ser apenas um escândalo, sem sinopses.
Em 2014 Pulp Fiction comemora 20 anos como lenda do cinema, um divisor de águas que rompeu os rótulos que não permitiam que um filme pop fosse visto como clássico, que deu identidade ao cinema independente e criou o estilo Tarantino de fazer cinema: uma assinatura, uma marca mundial. Ainda hoje a película permeia centenas de listas de melhores filmes da história e provavelmente não perderá muitos lugares nos próximos 20 anos. Um viva ao cinema, a Pulp Fiction e ao gênero Tarantino.
**Texto encomendado para a revista digital LIBRE! em setembro de 2014.

Um comentário:

Wilson disse...

Quanta alegria.Você voltou a preencher novamente novamente o seu blog/e/que/texto/Parabéns.Que/em/2015/eu/possa/ter/o/prazer/de/ler/outros/textos/abraço/
Obs.As/barras/separando/as/palavras/deve-se/ao/fato/de/meu/teclado/ter/me/sacaneado/quer/dizer/a/tecla/para/dar/os/espaços/pifou.