domingo, 15 de dezembro de 2013

A plastificação da Terra Média

Em "O Hobbit: A Desolação de Smaug" Peter Jackson apresenta um mundo esteticamente tão perfeito que deixa de ser Terra Média para virar obra de arte
Em 2002 quando encarei uma fila de empolgação e gente na porta do cinema para ver o primeiro O Senhor dos Anéis havia em mim uma expectativa que apenas outro livro despertou: Harry Potter. O que as duas ficções me causavam em comum era a vontade de viver aquilo que, de alguma forma, eu conseguia ligar a minha realidade, fosse imaginando que um dia houve nesse mundo uma Terra Média, fosse pensando que havia bruxos nos fazendo de 'trouxas'… e que minha carta de ingresso em Hogwarts foi extraviada, talvez.
O que Peter Jackson, diretor do segundo longa da trilogia O Hobbit, fez comigo nesse novo filme foi encantador e ao mesmo tempo frustrante. Infelizmente o ponto ruim, a que me refiro nesse texto, é que nas 2h41 de longa Jackson arremessou de um penhasco toda a minha alma medieval e cuspiu na minha cara dizendo: Isso é um filme foda que provém de um livro de ficção, criança, agora volte para a sua realidade feia.
Sinopse. A história entra pela porta deixada aberta no final do primeiro longa. Após iniciar sua jornada ao lado de um grupo de anões e de Gandalf (Ian McKellen), Bilbo Bolseiro (Martin Freeman) segue em direção à Montanha Solitária, onde deverá ajudar seus companheiros de missão a retomar a Pedra de Arken, que fará com que Thorin (Richard Armitage) obtenha o respeito de todos os anões e o apoio na luta para retomar seu reino. O problema é que o artefato está perdido em meio a um tesouro protegido pelo temido dragão Smaug (voz de Benedict Cumberbatch). Ao mesmo tempo, Gandalf investiga uma nova força sombria que surge na Terra Média. -Via adorocinema.com.br
Plástica. Logo no início do filme a qualidade visual me incomodou tanto que tive a sensação que Thorin era perseguido por duas bonecas na estalaria do Ponei Saltitante. A cena, que pouca importância tem para o resto do filme, mostra como o anão e Gandalf se conheceram e, como em tantas outras, inclui o espectador em uma história não contada no livro, mas que, por vezes, ajuda a criar um contexto que nos leve a trama de "O Senhor dos Anéis". Não é o caso específico dessa cena, podiam jogar ela fora.
De qualquer forma estou certa de que a sala de cinema que escolhi para assistir ao "O Hobbit: A Desolação de Smaug" tem grande parte da culpa de toda a minha frustração, mas se é para ser um dos melhores filmes do ano, que seja visto mesmo em tecnologia Imax.
O fato é que a perfeição daquela Terra Média criada pelo diretor de fotografia Andrew Lesnie é tão deslumbrante que não cabe, para mim, no peso das cenas. Tudo se torna tão plástico que até meus olhos se acostumarem eu tinha certeza de estar assistindo a um jogo de videogamente em high definition. Some a isso uns ângulos de câmera esquisitos (ar de erro de movimentação, com direito a perda de foco e até uns chicotes) mais as passeadinhas na montanha-russa da grua para mostrar quão esteticamente lindos eram os cenários a cada nova cena e pronto, já podem vender o jogo pro PS4.
O tratamento de imagem foi feito de forma tão plástica que acredito que não reconheceria nenhum ator do filme se tropeçasse nele na rua. A tecnologia construiu algo tão perfeito que perdeu a conexão que poderia haver com o real e até a sujeira das unhas dos anões é artisticamente bonita. Pura obra de arte que incomoda.
Até você se acostumar.
Depois disso não há palavras para descrever o desenrolar de A Desolação de Smaug.
Ao contrário do primeiro longa “O Hobbit: Uma Jornada Inesperada”, esse conseguiu equilibrar perfeitamente o longo tempo que o diretor possuia com a ação e a história escrita por J.R.R. Tolkien. As inserções de personagens que remetem a primeira trilogia ficaram mais fundidas que no primeiro filme e acredito que quem não leu O Hobbit e resolva fazer isso futuramente vai estranhar a ausência de Legolas (Orlando Bloom) na história. A própria elfa Tauriel (Evangeline Lilly) criada apenas para a trilogia, se encaixa bem a trama, mesmo que em um triângulo romântico forçado.
Do meio para o fim do filme, quando finalmente nos deparamos com Smaug (ouso escrever que foi o melhor dragão já criado para o cinema - até o momento), a sensação é a mesma que Jackson causou no primeiro longa quando houve o encontro entre Bilbo e Gollum: você sente que esperou o dia todo para aquele momento e que sim, valeu cada minuto. É um êxtase não só crucial, como também responsável por fazer o espectador esquecer tudo que poderia não ter gostado do filme. Tanto o diálogo entre os personagens, quanto o final que rege a trama são de agradecer a tecnologia por poder ser usada para fazer cinema. É lindo, é sombrio, é de querer rebobinar.
E termina num épico momento sem fim -como aconteceu no primeiro filme-, deixando todos os espectadores órfãos de um merecido “The End”, mas congelados na poltrona com a frase “I am fire. I am death”, que antecede os créditos finais.
No fim, Peter Jackson, você pode ser até Monet se quiser. Do que eu estava reclamando mesmo?
Destaque. As coreografias de luta são os pontos mais cômicos do longa, com atenção especial para a que reune Orcs, Anões e Elfos no rio.