terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Sem rebobinar

Conheça as transformações físicas e conceituais no cinema desde o início do século passado
No museu das palavras que caíram em desuso, uma antiga companheira dos cinéfilos foi completamente esquecida pela sociedade. Tanto foi que quem nasceu no início da década de 1990 pouco lembra dela, e quem nasceu no fim dos 1990 desconhece completamente.
Nos anos de 1980, um sistema de reprodução de áudio e vídeo revolucionou o vídeo caseiro. Era uma fita magnética dentro de uma caixa plástica que permitia que os mesmos filmes exibidos no cinema pudessem ser vistos no conforto do sofá de casa.
O VHS nunca foi um objeto prático. Com a mesma artimanha trabalhosa dos grandes projetores de cinema -- mas em tamanho reduzido --, o filme revelado nele era lido pelo aparelho e reproduzido na tela.
Ao fim, era preciso voltar a fita antes de recomeçar a sessão ‘cinema em casa’ e é aí que a palavra esquecida surge. Era preciso ‘rebobinar’.
Foi em 1995 que tudo mudou. A chegada do DVD ao mercado causou uma ruptura que colocou o VHS na lista dos produtos em extinção e ‘rebobinar’ no museu do desuso.
Ir do analógico ao digital foi um salto em qualidade de som, imagem e, principalmente, no controle sobre o conteúdo gravado. Hoje, a fita que só funcionava se não estava sujo o cabeçote se tornou artigo único de colecionador.
Contudo, ao mesmo tempo que o vídeo evoluiu, a forma de fazer cinema se modificou.
Sétima arte. Em 1902, quando os filmes se baseavam em pessoas andando em uma estação de trem, acidentalmente Georges Méliès descobriu que poderia criar efeitos especiais quando sua câmera travava, podendo fazer pessoas e objetos sumirem e reaparecerem. A partir daí, resolveu que não queria mais usar aquele objeto que captava imagens em movimento para reproduzir a rotina das pessoas, mas que queria contar histórias.
Depois disso, a coisa desandou (de forma boa). “King Kong” (1933) mostrou que era possível pequenos bonecos dividirem a cena com pessoas; “Branca de Neve e Os Sete Anões” (1937) trouxe cores tão vivas a um desdenho que diziam poder machucar os olhos; “Cidadão Kane” (1941) redefiniu os ângulos de filmagem; “Casablanca” (1942) mostrou que era possível ser belo sem um final feliz.
Depois, “Uma Cilada Para Roger Habbit” (1988) provou que unir desenho animado a atores reais só era válido se realmente existisse interação; “O Parque Dos Dinossauros” (1993) praticamente inventou o imaginário do período jurássico que temos hoje com personagens digitais completamente realistas; “Toy Story” (1995) deu vida a brinquedos com o uso perfeito da tecnologia CGI; e, finalmente, “O Senhor dos Anéis” (2001/2003) sapateou sobre a forma analógica de fazer cinema reconstruindo completamente um personagem pelo computador.
Contemporâneo. De nada adiantaria toda a evolução do cinema se a reprodução deste não evoluísse em sintonia. Desde 1998, os recursos digitais das produções pedem uma nova tecnologia de reprodução, o Blu-ray, que chegou em 2010 no mercado.
Ao contrário do que aconteceu com o VHS, essa nova tecnologia não surgiu para extinguir o DVD, já que os aparelhos Blu-ray também leem este formato. A alta definição veio somar ao que já existe no mercado e permitir que novas vertentes sejam descobertas.
O 3D já está na casa das pessoas, o 4D, em alguns cinemas. Basta apenas não esquecer que não é só de tecnologia e efeitos especiais que se faz o cinema e lembrar, com Méliès, que o mais importante é contar uma boa história.

sábado, 19 de janeiro de 2013

E a sereia? Nada, nada.

Sem sucesso, Disney cancela relançamento de ‘A Pequena Sereia’ em 3D
Piadas de título à parte, quem é rei nunca perde a majestade, já quem é princesa muitas vezes não recebe o devido valor.
Por essas e outras nesta semana a Disney cancelou o relançamento de “A Pequena Sereia” em 3D nos cinemas em novembro deste ano, para a tristeza dos fãs e para o deleite do rei leão, Simba, que continua no trono.
Em setembro do ano passado a produtora dos desenhos mais assistidos no mundo fez o teste e colocou quase US$100 milhões (R$200mi) no bolso com o relançamento de “O Rei Leão 3D”, filme de 1994 que ainda hoje é um das maiores bilheterias da história do cinema. Se você fosse ao cinema nessa época provavelmente ia encontrar pais e filhos animados, cantando a trilha juntos e unindo diferentes gerações.
Os cifrões que não pararam de cair na conta encheram os olhos da produtora, que tratou logo de desengavetar outros sucessos empoeirados e programar as reestreias. Mas a ideia foi vetada após o baixo rendimento nas bilheterias de “A Bela e a Fera”, “Procurando Nemo” e “Monstros S.A” e a possibilidade da sereia Ariel sair dos confins oceânicos de 1989 e voltar ao auge da superfície foram, desculpe o trocadilho, por água abaixo.
Erro.Se você nem sabia que o seu clássico preferido estaria no cinema, não se sinta um péssimo fã, pois foi exatamente a falta de comunicação entre a obra e o espectador que causou o cancelamento.
Quando “Rei Leão 3D” foi relançado a internet estava repleta de publicidade e notícias sobre o assunto, tanto porque era o primeiro filme a receber o tratamento VIP de rejuvenescimento, quanto porque a Disney investiu nisso, o que não aconteceu com as outras produções. O próprio “Procurando Nemo”, que é ainda hoje uma das animações mais queridas e visivelmente impactantes (pelas cores e movimentos realistas do fundo do mar) chegou despercebido nas telonas e assim ficou, sem cartazes, sem comentários, sem expectativas, sem público.
Futuro. De acordo com os estúdios Disney, os trabalhos com a conversão de “A Pequena Sereia” ao formato tridimensional já haviam começado. Por isso, aos fãs, resta a esperança de que mesmo fora das telonas a obra seja relançada direto em DVD/Bluray além da edição diamante do filme, com lançamento programado para o segundo semestre desse ano.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

A assinatura de Tarantino

Em Django, diretor volta a afirmar que é dono de uma classificação única no cinema: o gênero tarantino
Entende-se por gênero cinematográfico uma classificação que permite estabelecer relação de semelhança ou identidade entre diversas obras. Sendo assim, quando for ao cinema hoje assistir a estreia de “Django” e alguém perguntar “é um filme de quê?”, responda, sem pestanejar: o gênero é tarantino -- em letra minúscula, já que é gênero, não nome próprio.
Se encaixam nessa classificação películas cinematográficas correspondentes ao diretor Quentin Tarantino e a produções cheias de violência gratuita, momentos divertidos, trilhas de muito bom gosto, diálogos bem encaixados e que não terminam nunca e referências culturais e de outros filmes do diretor, assim como aparições coadjuvantes dele próprio.
Não é de hoje que Tarantino cria seu próprio gênero cinematográfico, mas é atual a força que sua visível assinatura tem ganhado a cada produção. “Django”, oitavo longa do diretor, não seria diferente. Bom ou ruim, ele está lá, ‘tarantinando’ nos cinemas do Brasil.
Trama. Neste novo longa, o ator Jamie Foxx é Django, um escravo liberto que aceita ajudar o caçador de recompensas alemão Dr. King Schultz (Christoph Waltz) a encontrar alguns de seus procurados. Mas o que o ex-escravo quer é libertar a esposa e, para isso, conta com a ajuda de Schultz.
Em entrevista, Tarantino afirmou que pretende criar uma “trilogia da vingança” que tem como primeiro filme “Bastardos Inglórios”, seguido por “Django” e, fechando o ciclo, um terceiro longa ainda não definido. Portanto, partindo do princípio que há uma ligação entre os filmes, é possível entender porque eles se parecem tanto mesmo com contextos tão diferentes.
Ao contrário do que diz a própria ficha técnica, “Django” deveria se chamar Schultz, pois Waltz (que venceu o Globo de Ouro pelo papel e concorrerá ao Oscar no dia 24) é o protagonista da história, com um filme todo criado em torno dele. Divertido e com boas sacadas, “Django” atinge o objetivo de entreter, mas não é nem de longe o melhor filme do diretor de “Pulp Fiction”.
Com cenas que poderiam ser cortadas pela metade (como a dos sacos de pano), o filme seria muito mais interessante com até 2h de duração. Se em “Bastardos” a extensão causava suspense, o mesmo não acontece agora.
Aliás, prepare-se para ouvir bolhas estourarem quando crânios explodirem na telona. Dessa vez, Tarantino adotou sons esquisitos para reforçar suas cenas sanguinárias.
Destaque.
O ponto alto do longa é Samuel L. Jackson. O ator interpreta um escravo de confiança do dono da esposa de Django. A atuação e caracterização estão impagáveis. Leonardo di Caprio no papel do patrão de Jackson, aliás, mereceria uma indicação ao Oscar mais que Waltz, que praticamente repete o que fez em “Bastardos”. Uma coisa é certa, Tarantino pode não acertar em todos os filmes, mas sabe escolher atores.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

A festa dos não favoritos

Boca livre da sétima arte, o Globo de Ouro segue linha contrária ao maior prêmio do cinema, o Oscar
Ao apresentar o Globo de Ouro 2012, o comediante Ricky Gervais comparou o prêmio ao Oscar com uma analogia um tanto maldosa. Disse que um está para o outro como a socialite Kim Kardashian está para a duquesa Kate Middleton, “mais barulhento, com menos classe e mais fácil de ser comprado”. No entanto, o Globo de Ouro de 2013, realizado na noite de domingo, resolveu encarar o principal prêmio do cinema mundial de peito erguido e dizer: “a estátua é minha e dou a quem quiser.” “Argo”, filme dirigido por Ben Affleck e mal visto por uma parcela da Academia, foi o grande vencedor e a surpresa da noite, levando os principais prêmios (Melhor Filme e Melhor Diretor) e deixando “Lincoln” de Steven Spielberg, o favorito, comendo poeira. “Argo” é uma obra daquelas que se vê e logo diz: “tem potencial para prêmio”. Mas isso inicialmente incomoda jurados de grandes prêmios como o Oscar, que gostam de parecer inovadores em suas escolhas, mas que, no fim, costumam premiar longas que transbordam drama, o que “Argo” não faz e que, consequentemente, caracterizou a produção como superficial para a Academia.
Outros. “O Lado Bom da Vida” e “A Hora Mais Escura”, favoritos ao Oscar junto com “Lincoln”, também foram deixados de lado no Globo de Ouro, que entregou três prêmios ao drama musical “Os Miseráveis” e dois para o western “Django Livre” de Quentin Tarantino. Entre eles, o segundo de Cristoph Waltz como coadjuvante em um filme do diretor. Já dizem as línguas cinematográficas que se o ator receber também o Oscar, Tarantino não o larga nunca mais.
LISTA COMPLETA DE PREMIADOS
MELHOR FILME DRAMÁTICO "Argo"
MELHOR FILME DE COMÉDIA OU MUSICAL "Os Miseráveis"
MELHOR ATOR DRAMÁTICO Daniel Day-Lewis, "Lincoln"
MELHOR ATRIZ DRAMÁTICA Jessica Chastain, "A Hora Mais Escura"
MELHOR ATOR EM COMÉDIA OU MUSICAL Hugh Jackman, "Os Miseráveis"
MELHOR ATRIZ EM COMÉDIA OU MUSICAL Jennifer Lawrence, "O Lado Bom da Vida"
MELHOR DIRETOR Ben Affleck, "Argo"
MELHOR ATOR COADJUVANTE Christoph Waltz, "Django Livre"
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE Anne Hathaway, "Os Miseráveis"
MELHOR ROTEIRO Quentin Tarantino, "Django Livre"
MELHOR CANÇÃO ORIGINAL "Skyfall", de Adele, para o filme "007 - Operação Skyfall"
MELHOR ANIMAÇÃO "Valente"
MELHOR FILME ESTRANGEIRO "Amor"
MELHOR SÉRIE DRAMÁTICA "Homeland"
MELHOR SÉRIE DE COMÉDIA "Girls"
MELHOR ATOR EM SÉRIE DRAMÁTICA Damian Lewis, "Homeland"
MELHOR ATRIZ EM SÉRIE DRAMÁTICA Claire Danes, "Homeland"
MELHOR ATOR EM SÉRIE DE COMÉDIA Don Cheadle, "House of Lies"
MELHOR ATRIZ EM SÉRIE DE COMÉDIA Lena Dunham, "Girls"
MELHOR ATOR EM MINISSÉRIE OU FILME PARA A TV Kevin Costner, "Hatfields & McCoys"
MELHOR ATRIZ EM MINISSÉRIE OU FILME PARA A TV Julianne Moore, "Game Change"
MELHOR ATOR COADJUVANTE EM MINISSÉRIE, SÉRIE OU FILME PARA A TV Ed Harris, "Game Change"
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE EM MINISSÉRIE, SÉRIE OU FILME PARA A TV Maggie Smith, "Downton Abbey"
MELHOR MINISSÉRIE OU FILME PARA A TV "Game Change"

sábado, 12 de janeiro de 2013

Um cinquentão invencível

Tom Cruise não liga para a idade e o físico: o importante é ser herói de uma nova franquia de espionagem
Um atirador profissional estaciona o carro em Pittsburgh, paga o parquímetro, vai até a janela, tira uma sniper da manga, respira fundo enquanto procura seus inocentes alvos e pronto, cinco pessoas são mortas. O suspeito é preso e quando vai assinar o documento de confissão que pode livrá-lo da pena de morte duas palavras são escritas ao invés da assinatura: Jack Reacher.
Provavelmente ninguém conseguiria evitar que o veterano de guerra fosse, no mínimo, condenado à perpétua, já que todos os indícios levaram a crer que os disparos foram feitos por ele e nem sua advogada acredita na inocência do atirador. No entanto, Jack Reacher estranha que o homem tenha pago o parquímetro e resolve entrar no caso. E Reacher poderia ser facilmente confundido com um Bourne com memória de elefante, um Rambo repaginado ou um Bond, James Bond, nada mulherengo.
Tom Cruise é um militar aposentado em “Jack Reacher: O Último Tiro”, longa que estreou ontem nos cinemas da região. Cruise quebra estereótipos com um personagem que vive na sombra das cidades, impossível de ser encontrado -- a menos que ele queira.
Descaracterizando completamente a estética dos espiões hollywoodianos, Reacher não usa terno e gravata, aliás, só tem uma composição de figurino o filme todo e não se importa em mostrar seus músculos exagenários enquanto lava a única camisa que possui.
Não usa cartões de crédito, celulares, anda de ônibus e vive exatamente do que sua aposentadoria proporciona. Ainda assim, ele é Reacher, Jack Reacher, o herói que luta pela verdade, acerta em tudo, derruba todos os oponentes e não deixa escapar nenhum detalhe, principalmente o parquímetro.
Composição. Mesmo sem um conteúdo muito profundo, o filme provavelmente vai agradar os fãs do gênero “tiros + pancadaria + carros potentes” e desagradar quem costumava suspirar com o sorriso de dentes brancos do garotão de “Missão Impossível”. Jack é o papel menos carismático de Tom Cruise, perdendo até para seus vilões sorridentes.
“Jack Reacher” vale ser visto principalmente por algumas participações e diálogos, como é o caso do oitentão Robert Duvall, que protagoniza as principais cenas de humor do filme e do renomado diretor alemão Werner Herzog na pele do vilão Zec, que em sua sequência inicial discorre de forma interessante sobre o que se é capaz de fazer para sobreviver.
Aliás, cabe aqui concordar com alguns comentários sobre o filme que comparam a aparência de Herzog a do vilão Jigsaw (“Jogos Mortais”). É realmente bem parecido.
Argumento. “O Último Tiro” foi adaptado de uma série de livros escrita por Lee Child sobre um soldado de elite mais jovem e mais alto que Cruise, que não mede esforços para descobrir a verdade.
Desse modo, existe a possibilidade do filme se tornar uma franquia. Só depende do espectador lotar os cinemas e contar para os amigos. Portanto, adiante o ingresso e faça a sua parte ou, quem sabe, Jack Reacher resolva encontrar você.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Teoria furada

A inquietude dos irmãos Wachowski . Novo longa dos criadores de ‘Matrix’ é um vai e vem fascinante para fazer você pensar: em vão
“Se tomar a pílula azul a história acaba. Se tomar a vermelha ficará no País das Maravilhas e eu te mostrarei até onde vai a toca do coelho.”
Em 1999, a escolha dos irmãos Lana e Andy Wachowski de mostrar o que acontecia ao seguir pela toca do coelho resultou em um dos filmes mais aclamados e discutidos da história do cinema. “Matrix” revolucionou a sétima arte e abriu precedentes para que a realidade simulada fosse cada vez mais difundida. Os Wachowski se tornaram ícones mundiais e a façanha nunca mais se repetiu. Até hoje.
Nesta sexta-feira estreia nos cinemas da região uma nova parceria entre os irmãos de “Matrix” e Tom Tykwer (diretor de “Corra, Lola, Corra”). “A Viagem” é um filme sêxtuplo, formado por meia dúzia de histórias que acontecem em épocas diferentes e são apresentadas ao espectador de forma confusa e não-linear, cuspidas uma após outra, retomando a primeira, voltando à anterior e assim vai.
As seis narrativas possuem ligações que explicam a frase “tudo está conectado”, impressa no pôster do filme. No entanto, essas paridades não são suficientes para fazer o espectador compreender o que os diretores criaram e, provavelmente, será necessário rever o filme algumas vezes para começar a digerir a proposta. Digerir, não entender.
O longa, que tem 3h de duração, é adaptado de um best-seller filosófico do britânico David Mitchell. Por aí é possível entender o caminho tempestuoso que os diretores tentaram percorrer. Mas a mão pesou na hora de colocar a história em prática e o resultado é um público sapateando em torno de possíveis explicações.
Conexões. As marcas de nascença são o ponto em comum mais óbvio nos personagens, um tipo de estrela cadente que todos têm e que se transforma durante o filme.
As seis histórias envolvem a busca por liberdade de formas variadas, seja por compor uma canção, fugir, deixar de ser escravo, salvar um povo. Um livro escrito no passado aparece em uma prateleira no futuro e um disco quase esquecido na loja é resultado de uma história de amor antiga descrita em cartas que ajudam a desvendar um crime anos depois.
Mas o ponto mais interligado, sem dúvida, são as vidas envolvidas nas histórias, sempre repetidas, interpretadas pelos mesmos sete atores que incorporam diversos personagens. É bonito de assistir. Mas houve uma preocupação tão grande com essas aparições, por vezes mínimas, que se gera um desvio da trama, obrigando o espectador a buscar um sentido para isso, como a reencarnação, por exemplo.
The End. As diversas ligações não conseguem conectar as histórias, que se tornam distintas, como seis filmes espremidos em um. Os detalhes que deveriam unir passado e futuro passam a impressão de terem sido colocados lá como remendos, tentando dar um novo sentido a algo pronto, como alguém que busca tanto encontrar coincidências que acaba inventando-as.
Ao invés de tentar encontrar as articulações que ligam as histórias, o espectador deve enxergar essa ‘viagem’ como um processo natural e não reativo. As épocas e ações se cruzam porque seguem um ciclo, não por precisarem coincidir em algum momento.
Enxergando dessa forma, “A Viagem” é um dos filmes mais ambiciosos já produzidos, que vai de 1849 a 2346 de forma cíclica, apresentando atuações e maquiagens tão fascinantes que tornam os atores irreconhecíveis e que te fará querer discutir profundamente as teorias que surgirem.
“A Viagem” não se compara a Matrix. Mas os irmãos Wachowski conseguiram novamente nos tirar a paz.

sábado, 5 de janeiro de 2013

Doce vilão sem sal

Cheio de referência a games, ‘Detona Ralph’ diverte, mas sem brilhar no final
Os bonzinhos não estão com nada! Desde o lançamento de “Meu Malvado Favorito”, em 2010, que os vilões batem o pé e ganham espaço representativo nas telonas. No entanto, de malvados eles não têm nada, parecem mais é que caíram de paraquedas sem possibilidade de escolha na rede dos maus elementos. E ali ficaram. É assim com Ralph, o novo doce vilão da Walt Disney na animação “Detona Ralph”, que estreou nesta semana.
Ele é grande, tem cara de mal e detona coisas no game “Conserta Felix Jr” há 30 anos. É de se entender que Ralph esteja cansado de ser deixado de lado pelos personagens que só se importam em ver tudo que ele destrói consertado pelo bom e carismático Félix. Então, o vilão resolve mudar de vida e ganhar uma medalha de herói com o intuito de ser querido por seus companheiros. A animação é uma homenagem de brotar lágrimas dos olhos dos apaixonados por joysticks, com referências a Donkey Kong (com o próprio Ralph), Pac Man, Sonic, Street Fighter, Super Mário a até jogos mais atuais, como Halo ou Gears of Wars.
Trama. O que a Disney faz em Detona Ralph, porém, é seguir a receita que tem dado certo em alguns de seus filmes (Toy Story, Monstros S.A, Procurando Nemo): mostrar a história por um ângulo novo, seja a visão dos brinquedos, dos monstros nos armários ou do peixe de dentro do aquário.
Nessa animação, a história começa quando as fichas dos fliperamas acabam.
Por trás de cada máquina, há uma fiação que leva a um mundo novo, uma estação central onde todos os personagens dos games se cruzam. Com representações impagáveis como a terapia dos vilões que dizem “sou mal e isso é bom”, o fim da luta em que Ryu e Ken do Street Fighter combinam de sair para comemorar e a utilização de códigos de jogos famosos, “Detona Ralph” tem encantado crianças e emocionado adultos que jogaram os games ‘pixelizados’ do Atari.
Mesmo assim, a animação não chega a ser digna do patamar ‘Disney/Pixar’, -- que, aliás, não assina esse projeto -- e fica estagnada, como aconteceu com “Bolt, o Super Cão”, apenas regular.
O filme se estende de forma cansativa e só se sustenta por causa das referências aos games, que dão um ânimo novo ao espectador.
Os personagens principais (Ralph e a jovem Vanellope) não são tão simpáticos e apaixonantes e só vão arrebatar o coração de quem assiste no fim, quando começam, no caso de Vanellope, a parar de irritar e despertam alguma emoção.
“Detona Ralph” não vai fazer ninguém se arrepender de ir ao cinema, mas falta um brilho que deixa o filme com uma sensação de ‘Game Over’.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Literatura adaptada: "A Vida de Pi"

Puxei sardinha sim para o livro 'A Vida de Pi', ficção literária adaptada recentemente para o cinema. Fiquei encantada e estou quase lendo de novo. É diferente de tudo que já li. Segue matéria pro jornal.
“Poucos náufragos podem dizer que sobreviveram por tanto tempo no mar quanto o sr. Patel, e nenhum deles em companhia de um tigre-de-bengala adulto.”
As últimas frases do livro “A Vida de Pi”, do espanhol Yann Martel, despertam em quem o conclui um despretensioso e impulsivo sorriso.
Terminar um bom livro é virar uma página da vida quando ainda se quer estar preso a ela. Nem sempre é fácil virar essa página e, no caso de “A Vida de Pi”, o fim é completamente desconfortável. Antes de resolver embarcar nessa aventura, fique sabendo: ao fim dela, somos todos órfãos de Pi.
Os 227 dias em que Piscine Molitor Patel passa ao lado do leitor e do tigre Richard Parker no Pacífico não só fazem céticos acreditarem em Deus (como propõe a história), mas provam o poder que um escritor tem de fazer uma ficção impossível se tornar uma história extremamente realista. Aliás, é normal, durante a leitura, se questionar se o naufrágio do navio japonês Tsimtsum realmente aconteceu.
Narrativa. Em “A Vida de Pi”, Martel leva o leitor a uma viagem cultural, religiosa e comovente pela vida de Pi Patel, um jovem indiano que perde a família em um naufrágio e tenta sobreviver em um bote salva-vidas na companhia de uma hiena, um orangotango, uma zebra e um tigre-de-bengala.
Além de ser envolvente e prender a atenção, o estilo literário provavelmente será diferente de tudo que você -- louco por literatura -- já leu. A imersão -- rica em detalhes e bastante didática -- na cultura indiana encanta até os menos entendidos, e a inocência com que o jovem Piscine lida com as adversidades faz o leitor se sentir mais puro ao fim de cada capítulo lido.
Richard Parker. O companheiro de viagem de Pi é também uma história a parte. A forma com que o autor descreve o tigre Richard Parker, nas recordações de Pi, confunde o leitor. Nos primeiros capítulos do livro, por exemplo, é impossível não pensar que Parker é um ser humano e, após algumas páginas, é surpreendente descobrir que ele, na verdade, é um tigre-de-bengala.
O livro é, além de uma história envolvente, um oceano Pacífico de sabedoria. A leitura que ensina a sobreviver a um naufrágio também o faz com as atribulações da vida.
O sorriso despertado pelas últimas frases não é de satisfação pelo desfecho, muito pelo contrário, ele vai abrir um buraco no seu peito. Mas é por perceber que todas as situações, por piores que sejam, podem ser vistas de um ângulo melhor e que, por mais perdido que você esteja, sempre vai haver algo em que possa se apoiar, mesmo que só lhe reste a imaginação.
Inspiração. “A Vida de Pi” é uma obra inspirada no livro “Max e os Felinos” (1981), de Moacyr Scliar, que conta a história de um naufrágio em que os únicos sobreviventes são um garoto e uma pantera. Martel escreve sobre a inspiração: “Já a centelha de vida devo a Moacyr Scliar”.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Um mergulho em Portugal

Fados, documentário de Carlos Saura, instiga o gosto pela música e desperta a vontade de conhecer o país
Um canto chorado, um choro cantado, um fado. Seja fado de Lisboa, fado menor, modinhas, fado de Cabo Verde, fado flamenco ou Alfacinha. O gênero é um só e é português em essência, sendo expressão da cultura nacional e sobrevivendo aos mais diversos períodos históricos. O fado não só se sustentou com força e manteve a delicadeza através dos anos, como se modificou, abrindo espaço para novas possibilidades fadistas. E são exatamente essas possibilidades que o diretor espanhol Carlos Saura mostra em seu documentário "Fados".
Combinando música, dança e coreografias fascinantes, o longa de 2007 é uma colagem sensível de diversas vertentes do gênero. Representações iluminadas por luzes ora fortes e quentes, ressaltando apenas a silhueta dos cantores e dançarinos, ora leves e sutis, permitindo que as interpretações sobressaiam ao cenário e complementem as letras de cada canção apresentada.
As cenas foram gravadas em um enorme estúdio em Madri, que pode ser visto quase por inteiro na tomada final do filme, quando um delicado, porém grandioso plano-sequência de bastidores leva aos créditos finais.
Por trás de cada apresentação, uma tela é iluminada com foco único de cor, assim como imagens que remetem a um Portugal antigo ou contemporâneo são delicadamente projetadas.
Participações. Artistas renomados da música portuguesa como Carlos do Carmo, Mariza, Camané e Argentina Santos entrelaçam as canções e a cultura de Portugal com a da África, e sua cantora Lura, e com a do Brasil de Caetano Veloso, Chico Buarque e Toni Garrido. A mistura traz também um diálogo entre o fado e o flamenco, estilo musical que Saura já provou que adora.
Ver Caetano Veloso apresentando o canto choroso dos portugueses na música da grande fadista Amália Rodrigues é encantador, mesmo que fora de seu tom. O fado é algo que se sente, e Caetano não só o sentiu como o fez sentir por quem assiste. A sequência Casa de Fados, em que fadistas levantam um a um e completam canções é de transformar até o mais estrangeiro em português e de dar vontade de ir a Portugal correndo. E como não poderia faltar, a voz de Mariza 'chorando' "Ó Gente da Minha Terra" é quase um pedido para o espectador fechar os olhos e dirigir sozinho seu próprio filme. Mas não o faça! A sequência que cabe a essa canção vale a pena ser vista em cada segundo.
Filme. Fados não é documentário, não é um filme. Quem assiste procurando uma história vai se decepcionar. O longa é pura música, dança e choro. Fados é um filme-canção.