quarta-feira, 29 de abril de 2009

As letras de Saramago pelos olhos de Meirelles

A minha vida literária/cinematográfica começou com Harry Potter, acho eu, estou meio desmemoriada hoje. Mas sabe lá Deus quantos anos eu tinha. A partir da leitura do primeiro livro do bruxo londrino, comecei a descobrir a magia das produções adaptadas para as telonas e não parei mais. Senhor dos Anéis, O Exorcista, Entrevista com Vampiro, O Conde de Monte Cristo, Anjos e Demônios e cia, HQ’s. Eu e meu país das maravilhas, não excluindo dessa lista a história da própria Alice e dos contos infantis que, bom, para quem costuma fazer contação de história, são indispensáveis.

No entanto, com a abertura dessa brecha entre a história escrita e a ‘assistível’, criei também uma mania horrível, a de achar que sou melhor que o roteirista. “Ah, não acredito que reduziram AQUELA cena a isso”; “Poxa, cortaram o Tom Bombadil e a guerra do Condado? De onde veio esse amor todo do Aragorn pela Arwen? Quem foi o filho da mãe que acabou com o filme?”; “Como não vai ter o Carnificina no Homem-aranha???”; “Mas quem teve a idéia de deixar o Duas Caras morrer? Tinha que ter um filme só dele!”

Posso ficar aqui até amanhã...

Continuando, hoje uma coisa me surpreendeu. Não assisti Ensaio Sobre a Cegueira quando estava sendo exibido nas telonas porque, não adianta, sendo ele Saramago e sendo o outro Meirelles, eu me obriguei a ler o livro antes. Demorei, confesso. Uma pena. Aqui, em público, digo, e será apenas uma vez na vida: Avaliando o conjunto, eu não mudaria nada.

Calmaaaaaaaaa! É claro que vou reclamar se não, não seria eu.

Como assim a vizinha da mulher de óculos escuros não apareceu? Eu sentia rebuliços no estômago toda vez que algum momento dela era descrito e esperava, sinceramente, vê-la. A cena das mulheres da Ala I se entregando aos homens da Ala III me deixou muito mais sensibilizada no livro, mas acredito que isso é coisa de mulher. É muito mais doído ler a íntegra a imaginar uma cena com silhuetas e luzes baixas. Mas o momento em que elas lavam a mulher que faleceu durante o ato é memorável e digno de congratulações. A luz ficou perfeita, a trilha perfeita, as expressões perfeitas.

Achei o cego do Mark Ruffalo um tanto suspeito, ele parecia ver demais. Não sei se era essa a intenção, mas eu não gostei em alguns momentos. Aí tudo depende da imagem que você tinha do livro também, eu imaginava o médico e sua mulher uns dez anos mais velhos que os atores, ou talvez o peso dos personagens deles pedia essa velhice, mas ficou bacana.

É preciso escancarar a ótima interpretação de Gael García Bernal, que eu adoro, mesmo quando não gosto dos filmes e que, em Ensaio Sobre a Cegueira conseguiu me convencer de todas as maneiras possíveis. Seria desnecessária a simples afirmação de ele estar cego, isso se via. Alice Braga... Bem, ficou a lata da personagem, mas acho que fizeram um furdúncio tão grande em cima da atuação dela que acabou me fazendo esperar demais.

Ah, não posso deixar de falar da cena na igreja. No livro, o momento em que a mulher do médico diz que os santos e as pinturas têm os olhos vendados de branco eu cheguei a arrepiar, mas poxa, eles não deram muita moral pro momento no filme. Essa cena era marcante, não deveria ter sido assim. A chuva também, no livro ela espanta as pessoas, no filme, convida.

Achei sem graça também a mistura de “raças” do filme, achei que, no mínimo, todos deveriam falar português (Talvez, por Saramago, o de Portugal), mas aí a misturar olhos puxados, “Hola” e “What”’s, não tinha necessidade. Mas como a exigência do autor era de que o país em que a história se passasse não fosse possível de revelar, quem sou eu para discutir? Antes de assistir eu tinha até um pouco de preconceito, admito, pelo fato de terem atores hollywoodianos e tal, já achei que a obra –que valeu, sim, um Nobel- ia virar Pop. Mas me enganei, o filme tem um estrutura própria, uma arte própria e uma facilidade de incomodar os olhos de quem assiste que é incontestável.

Bom, agora vem alguém e me pergunta “Mas você não disse que não mudaria nada?” Sim, eu disse, e complementei com a expressão: avaliando o conjunto. Fernando Meirelles está de parabéns, ele foi bem fiel ao livro. Mesmo tendo que cortar alguns momentos, o que é compreensível quando se quer produzir um filme que não seja um E o Vento Levou, o diretor conseguiu colocar as cenas mais importantes da trama, e o melhor, conseguiu interligá-las, o que é o maior problema das adaptações, em minha opinião. Alguém sempre fica sem entender.

Para finalizar, não vou dizer que todo mundo vai entender a trama, muita gente não gostou do filme e eu compreendo, mas aviso que não é erro de continuidade, tipo Código Da Vinci. Acredito que algumas pessoas podem não ter gostado do livro também, mas não é por ser ruim (longe de mim, o livro é um soco na mente, como disse uma vez um crítico), mas porque estamos acostumados a histórias lineares, auto-explicativas e com um final que dê sentido óbvio a todo o resto, o que não acontece nem no filme, nem no livro. É aquele tipo de arte para se pensar, re-pensar, re-pensar, re-pensar e começar a enxergar. É coisa de Saramago.


“Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos."

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Duas palavras: Clint Eastwood


Tenho em mãos a vontade, na cabeça a idéia e, no momento, nenhum conhecimento. Escrevo aqui um texto completamente emocional.

Estive dias atrás em São Paulo, batendo um papo no melhor estilo ‘cinematógrafo’ com o diretor de fotografia Uli Burtin e saí desse encontro com um filme na cabeça. Filme esse citado por ele em vários momentos e com uma classificação de atual memorável. Começo então meu destrinchar emotivo Gran Torino. Aliás, preciso tentar escrever numa velocidade maior que meus pensamentos.

Antes de ver o filme li uns artigos sobre ele e, em um, uma frase me chamou a atenção. O autor dizia que não havia visão mais assombrosa do que ter que encarar Clint Eastwood pelo retrovisor. Concordo. Gran Torino já é nome de clássico, não é? Bom, o filme é drama da primeira cena ao claquete final, ou seja, não é a combinação: amigos, pipoca. É um filme solitário, que precisa acontecer sozinho, e ser visto sozinho. Provavelmente, ao sair do cinema não vão rolar comentários, risadas ou coisas do gênero, talvez umas expressões corriqueiras daquelas de quando não se tem nada a dizer.

A construção do filme é simples e sem ares de grande produção Hollywoodiana, o que acaba por puxar ‘involuntariamente’ toda atenção para Eastwood. Aliás, As cenas de luz baixa são ótimas, elas sempre chamam a minha atenção.

Em Menina de Ouro o diretor e ator considerado 2º no ranking dos 100 melhores astros do cinema já mostrou o seu jeito paterno na relação aprendiz/professor, o que se repete em Gran Torino. Uma pena a interpretação do garoto Thao (Bee Vang) ter deixado a desejar, mas em frente ao que seria um monstro sagrado, chega a ser compreensível. O filme fala sobre preconceito, valores, família, religião e Eastwood, que completa 50 anos de carreira, consegue reunir tudo o que já mostrou que sabe fazer em outras produções em uma trama cheia de humor sádico, claro.

Um detalhe que me incomodou o filme todo foi a falta de trilha sonora, eu até me peguei em alguns momentos imaginando que para finalizar tal cena, a entrada de uma música em determinado momento faria toda a diferença. Mas não podia, ele, ter se esquecido desse detalhe. A ausência de notas musicais intermediando a trama acaba por dar uma sensação mais dramática a história e porque não -e como não dizer- que também dá a ela um toque maior de realidade.

Voltando a Uli Burtin, ainda me veio ele na memória em outro momento da história, na violência. Durante a conversa discutimos a necessidade ou não de se explicitar agressões e, como não poderia faltar, lembramos o quanto Laranja Mecânica foi violento sem tampouco fazer esses momentos serem vistos. A cena mais forte de Gran Torino talvez seja a que menos ‘exponha’ em todo ele. E aí voltamos aos sons, os quais eu simplesmente não os percebi nessa cena. A ausência de falas acessíveis a língua nos faz pensar em toda a cena que não vimos e faz de um momento, o momento, não o do filme, mas das imagens que nós mesmos reproduzimos daquilo. Confuso, não é? Assista a cena do desaparecimento da menina e depois pare para pensar se em algum momento você ouviu que eles estavam falando. Eu não ouvi.

Preciso abrir uma ressalva para a expressão de Eastwood, lá pelo meio do filme é possível você se perceber com aquela mesma massa torcida de cansaço na face que ele exibe o filme todo, é quase contagiante. Claro que a produção tem defeitos, como qualquer outra, mas como eu disse que o meu texto seria completamente emotivo e escrito sob uma visão só (de quem viu o filme a meia hora), ainda não encontrei um bom defeito. Encontrei sim, a interpretação do hmong Thao. Mas pela vontade de fazer cinema de Eastwood eu digo, Gran Torino tem lugar certo, a partir de hoje, na minha prateleira. E não digam que o diretor não é tudo que eu escrevi nessas linhas, porque ele até o meu Word reconhece.